A crônica do parque


Atrás de uma crônica, dia desses de tardezinha fui caminhar no Parque Mãe Bonifácia*, hora em que o vendedor de água de coco já está brilhando de sol e a moça de ray-ban, vestida de suor, quer preservar mais o anonimato que a boa saúde enquanto caminha com ar decente na pista central. Lá pelos lados da reta a seguir pela ladeira vejo velhos a trouxe-mouxe, um deles descamisado, outro meio sombrio — ambos por recomendação médica; uma dupla de meninas trotam miudamente pondo duas cortininhas pretas em pêndulo na altura dos ombros; um rapaz de barba desenhada, e passo ágil, está encapsulado por um headset vermelho JBL; uma dupla de policiamento a fazer que não me via observa tudo; um grupo de escolares ziguezagueando pelo gramado; uma debutante em poses de princesa ao fotógrafo profissional — e nada de um insight pra minha crônica. 
“Talvez eu consiga oitivar um tema nos aparelhos”, mas nada, apenas diálogos de elevador, misancene de classe média. Um homem fala alto ao celular, temo que se infarte em pleno paradoxo. Sento perto ao bebedouro, e olhando o trânsito na avenida dou com um dedo imaginário ao capital. Ao meu lado chega um pseudoatleta extenuado, tem o rosto encovado e a boca aberta, carrega um bigodinho frajola e a batida da sua garrafa no aluminio em busca da torneira me faz lembrar a sétima série, entre canecas esmaltadas presas por corrente, água muito fria estourando no peito e o beirão no coletivo, do qual saltávamos correndo. E como impedido de lembrar sem sentir gostos e sons, eu volto pra pista em busca da minha crônica.
Duas duplas de velhos parecem entabular uma conversa em dois bancos frontais. Tenho reverência a velhos, e por isso não vou cruzar a conversa embora eles estejam separados pela pista central — e concluo que talvez seja essa atenção desejada. Sigo. A meia-distância descubro que eles apenas se olham, mudamente. “Estão aqui atrás das crônicas deles”. No canto do tapete verde, um casal ciranda um pequeno que mal anda. É possível sentir o ambiente deles. E à pergunta sobre o mal no mundo, é preciso se interrogar antes o por quê daquela atmosfera íntima apesar da sirene do SAMU crescendo lenta até espoucar de vez, sem invadir contudo, o amor daquele abraço triplo. 
O sol começa rarear e estou em atraso com ideias para minha crônica; nada me vem à cabeça. Nenhum fato episódico, nada anormal por mais paciente que fosse minha observação. Melhor deixar pra lá.
*Situado em Cuiabá-MT.
Gabriel Leal 

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