CONTO: "ASSUMINDO O SERVIÇO"
Ainda na fila da cautela pressentia o andamento do serviço.
Aquele calor típico insuportável só contido por bares vomitando gente. A rua caótica repleta de mariposas na luz, quadris e bíceps, entre sons cruzados e meninas em trajes sumários.
O cabão da reserva parecia agitado, na mesa, a Bíblia surrada era o colateral de seu processo demissório, e pelo pátio, perfumado como quem vai pra festa, o tenente ajustava o rádio conferindo o que sobrara dum nokia funcional, meio à mad max.
"Três carregadores por favor, cabo", peço na minha vez.
"Toma dois, se sobrar depois que eu pagar aqui, te passo, beleza?.
"Copiado, cabo".
Não crio expectativas.
Falando alto sgt Antunes contava sua última mentira --- improvisada para momentos em que a plateia era boa, como na passagem de serviço ---, momento em que ele podia representar o comediante falhado pelas circunstâncias da vida. Inviabilizado, sentara praça, e por fim, beliscava agora apenas a atenção dos superiores e as gargalhadas dos subordinados. --- Um comédia, diziam à socapa.
Antunes falava do cabo toninho, que reza a lenda, de tão ignorante confundia extintor de incêndio com mortadela, e suíno, com adjetivo honorífico devidamente destinado a superiores.
Pego minha quarenta quando me chamam no zap...
"deve ser meu qtc (*)", penso.
Risco a tela, é ela, no emoticon beijo.
Ela. Vc vem hj?
Eu. N sei.
Ela. Pq?
Eu. Ten serra hj...
Ela. Humm. Qro vc!
Eu. Wow..rs
Ela.Vem??
Eu. Vou. Dou um jeito.
Sou empurrado pelo companheiro na fila da cautela e apago o celular para receber os carregadores já saindo acuado por quem espera.
Caminho mais um pouco pelo corredor ganhando o pátio avarandado do batalhão, viaturas sendo ligadas, silvos de sirene, clique de armas, presilhas, ferrolhos e o velcro dos coletes ajustados ao corpo, em diferentes pontos mais risadas de quem sai de serviço, mais conversas soturnas de quem entra, ruídos do rádio revestem de naturalidade todo aquele conjunto inarticulado de homens se preparando para a guerra urbana.
Avisto Sol da escada, encostada na perna forte com o gorro cerrando os olhos, queixo inclinado à Marilyn Monroe.
O batom rubro e o lápis no olho fisgavam minha atenção há dez serviços desde que ela pisou no batalhão --- vinda do paraíso imagino.
"Tira o olho recruta", me acorda Peixoto no momento da miragem.
"Vou ali no doze".
"E quem não vai primo", retorna o bom Peixoto meu parceiro de barca.
"bora, guerreiro".
O tenente chama todos para a preleção.
(*) namorada oculta.
Gabriel Leal



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