Cristofobia


O Estado brasileiro tem deixado de ser laico para caminhar no sentido da cristofobia — aparente paradoxo num país de maioria “cristã”. 
Caso duvide dessa afirmação, ouse expor publicamente, por exemplo, a disciplina bíblica entre os cônjuges [termo ultra-démodé] (Cf. Ef. 5.22-24; Cl 3.18-19) ou comportamentos sexuais anti-bíblicos (Cf. 1Cor 6.9-10; Gn 18.20-21;19.4-5; 2 Pe 2.6; Lv 18.22; Lv 20.13; Rm 1.26-27). E constate, daí, dum instante a outro, sua cremação em vida como um herege. 
Ou seja, defenda certos trechos da Bíblia e fique marcado como aquele sujeito (misógino/machista/homofóbico) que não anda segundo às regras da “tolerância”, do “politicamente correto” e deve estar refém, tacitamente, ao patrulhamento ideológico imposto a quem, em nome da convivência social, deve ficar calado. 
Nesse cenário, princípios caros ao cristianismo tradicional (católico e reformado), sobretudo os ditos “polêmicos”, devem ser guardados — como um segredo de fátima — na vida privada. De preferência, falados baixinho, quase ciciados — exatamente como no livro “1984” de George Orwell, que trata de uma distopia social.
Pois, o grau de abertura (para não dizer real tolerância) que a cultura atual parece admitir com algumas verdades da fé está limitada ao pacifismo do “dar a outra face” ou do “amor ao próximo”; aquele “amor que tudo sofre, crê e suporta”: doutrinas que sobrevivem na convivência, tão-somente, porque em proveito do mesmo silêncio — depois de desidratadas na sua radicalidade original. 
Portanto, a simetria das posições, ideias e opiniões — que é o coração da laicidade do Estado que deve respeitar todas as perspectivas — passa a ser o campo do pensamento único (o famoso zeitgeist). Que é o voto de silêncio público àqueles impróprios à “boa convivência”: nada mais que mordaça acerca do conteúdo do que se crê, pela fé, agora visto como uma forma de preconceito ao outro quando expresso.
Com isso, por exemplo, professores que corrigem à caneta vermelha ou dão um zero, justo e redondo, numa prova escolar, estão sendo caçados como predadores emocionais de seus alunos; que, ironicamente, devem ser encorajados sempre (como eternos bebês), a despeito do desempenho, ainda se a realidade indicar rigor disciplinar — em especial, correção moral. 
Com isso, pais que usam a vara na disciplina dos filhos (Cf. Pv 23.13-14; ver também 13.24; 22.15; 20.30) são vistos como torturadores — e caçados por dezenas de ONGs; os que optam pela família e casamento tradicionais (Cf. §1603; §1643; §1640, entre outros do Catecismo da Igreja Católica) são, comumente, antiquados — e até julgados por isso; os que optam pela castidade até o matrimônio (Cf. §2349, do Catecismo da Igreja Católica) são quase mártires da exclusão cultural; sem contar em policiais que, ao usarem a "espada" (Cf. Rm 13.4), têm sua posição, por vezes, ideologicamente invertida com bandidos. 
De modo geral, com tudo isso, o que se revela não é jamais pluralidade político-religiosa, porém, cristofobia pura e simples — embora não aparente. 
Esse fenômeno tem contagiado inclusive cristãos nominais, e o agravante: tem formado pela ausência de contraponto pessoas extremamente sensíveis aos pontos de vista que desafiam sua visão de mundo; que se ofendem facilmente dando lugar assim ao ressentimento. E que acabam por responder, em tom vitimista, com acusações de intolerância e preconceito: na verdade, em alguns casos, projetando características pessoais. 
A motivação dessa cristofobia vem, em primeiro lugar, do sentimento exacerbado de singularidade do eu (disposto, entre outros chavões, no famoso: “cada um tem a sua verdade”); também, da superproteção que se esconde na distorção dos conceitos (sérios) de vulnerabilidade e minorias, além da construção de espaços de segurança afetiva (ambientes herméticos a opiniões conflitantes), que geram pessoas com baixa resiliência e desprovidas de habilidade emocional à frustração de seus argumentos e cosmovisões. 
Dessa forma, o choque por refutação ou simples presença de novos argumentos ante o “capital simbólico” dessa pessoa auto-fragilizada, constitui, por vezes, afronta pessoal: justamente porque a divide de seus símbolos (ao fazer a diácrise do símbolo: o “dia-bolismo”; — Daí, fica fácil entender porque a revolta contra o argumento oposto; “diabólico”). 
Você pode entender, ademais, o nível de ofensa que uma geração de “flocos de neve” (a expressão não é minha...) sente — por sua própria causa — ao ver pessoas (diferentes de si) defendendo posturas pouco usuais (mas com fundamento bíblico) quanto aos costumes e pontos de vista até então inquestionáveis. 
De modo que, a ruptura com a visão de mundo de quem se acostumou com a verdade universal de seus conceitos pessoais pode representar, com efeito, uma quebra identitária profunda — e levar, como fez a Saulo de Tarso (Cf. At 9), a um processo de cegamento, queda e crise. 
Não exageraria se dissesse, portanto, que boa parte do que se tem pretendido na forma de lei ultimamente (na esteira de inúmeras “fobias”), com escopo ao comportamento público, tem um pé na cristofobia: desde a busca incansável da legalização do aborto à liberação das drogas. Passando, pela sutil questão contra os crucifixos em órgãos públicos. 
A gênese do ódio deliberado contra cristãos, na sua forma institucionalizada, tem seu DNA nesses pontos discutidos até aqui. 
A cristofobia, vista diluída na cultura e em algumas leis no Brasil, já teve sua cristalização e acabamento em sociedades pós-cristãs na Europa e, assumidamente, anticristãs em boa parte do Oriente-Médio.
Nas primeiras, doutrinas fundamentais tiveram sua reelaboração (customização) dentro de setores da igreja, como ordenação pastoral em desacordo com princípios bíblicos além do consentimento ao aborto (algo existente, embora tímido, também, em algumas igrejas ditas cristãs no Brasil). 
No Oriente-Médio o anticristianismo é voraz: meninas são sequestradas na Somália por radicais islâmicos (276 de uma vez só em 2014, com retorno de menos de 1/3 dois anos depois) e o cristianismo ortodoxo (Copta) desaparece dia a dia no Iraque, num verdadeiro genocídio. 
Na Índia, radicais hindus forçam a conversão de cristãos ao “cristianismo hindu” (onde Cristo é uma variação de deuses locais) ou, são expulsos do país, não raro, mortos. No primeiro caso, a assimilação é orgânica pois cultural. No segundo, mediante a força bruta. 
O cristianismo é, comprovadamente, uma religião da tolerância — e a Idade Média católica nem de longe afirma o contrário (busque literatura séria e vá aos fatos, considerando o aspecto fundamental: um erro não justifica outro). 
Em nosso contexto pregar a morte de Deus é uma máxima cult; o anticristianismo chega a ser pop — como Nietzsche (que, como cristão eu inclusive estudo...). Agora, pense algo semelhante no Irã. Ou na Arábia Saudita. Afeganistão etc. 
Por fim, comece a pensar no silêncio compulsório que temos enfrentado, em doses já nem tão homeopáticas, para vermos como será a sociedade de nossos filhos e netos; onde Deus, Cristo e sua Doutrina serão lembranças caricatas.
Gabriel Leal

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