modos de ser policial


Ser policial é viver suspenso na perplexidade. Adensado por um sem-número de experiências não catalogadas pelo bom-senso, porém sempre, com a mediação de especialistas quando já não se precisa deles, mais ou menos 24h depois dos fatos. Um policial, grosso modo, é um personagem de Kafka, um artista do absurdo. O cara que segue, segue, segue apesar de tudo. Como o cara que não entende porque após o choro aflitivo da vítima, muitas vezes misturado ao seu sangue, alguém que deveria respaldá-lo resolve liberar o criminoso pondo em questão sua conduta. Como prender mil vezes o mesmo cara que você prendeu ontem. Ir voando para onde todos fogem. Um policial é um decifrador do humano pois consegue à distância ver — onde ninguém veria — uma arma de fogo oculta, ou até mesmo uma intenção pela sombra nos olhos do vagabundo — e, garanto, não exagero. Um policial escavou na sua animalidade aquele faro ancestral que um felino usa para viver e o combinou com o código penal, por vezes, com a sedução — como quando fisga a reciprocidade ainda inconsciente duma baixinha mignon caminhando a 300 metros da vtr. É o tipo de cara que sabe desatar expressões de loucura e silêncio ao abordar um zumbinoia à meia-noite e derrubar seu fornecedor às cinco, dançando no vale da sombra da morte nesse período. É um cara picado pela curiosidade a serviço da memória: atalhos, lugares, nomes, objetos, fisionomias, circunstâncias e tudo o mais a despeito de tudo ter se passado uma pá de anos atrás. É um cara que insulfilma o dia para poder dormir, já que nunca é noite, de sorte que o único tempo é o tempo-da-rua. E, note, um cidadão que assiste JN ou chora no cinema, sem essa noção transiente do tempo-em-catástrofe, jamais entenderá o que significa a palavra “correria”, que no dicionário policial, é o tempo onde o tempo é sempre oportuno para o crime. Dessa forma, “liberdade” para um vagabundo incide em tempo de oportunidade, sempre, inexoravelmente, para o crime. Isto é, liberdade é crime para o correria. (O que mais se aproximaria da compreensão espaço-temporal desse fenômeno é a jogatina em Las Vegas. Lá, na terra do jogo, não existe noite no sentido de repouso ou descanso do trabalho. De qualquer ponto do nosso sistema solar, para se ter uma noção, é possível ver as luzes de Las Vegas. Fato, pois se busca, tempo contínuo que é o tempo do jogo; o tempo do vício que é sempre totalizante. 12h ou 00h não fazem a menor diferença em termos de iluminação ambiente ou disposição mental de seus viventes ao jogo: seja ele monetário ou sexual). Um policial é um cara de profunda interioridade, que saca meios-tons, ses, sins que são nãos e nãos que são sins. Enfim. É um trágico porque ri da grande tragédia humana: a violência contra o semelhante.
Gabriel Leal

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