Obstáculos à Segurança Pública


Muito se debate o modelo das polícias e a realização do ciclo completo, que em linhas gerais é o complemento ostensivo à polícia civil e investigatório à militar. Possibilitando, dessa forma, que ambas trabalhem no arco da prevenção até o fim do inquérito policial. Arco que, ainda sem regulamentação, já ocorre em maior ou menor grau Brasil afora. Contudo, por tratar-se o ciclo completo de questão legal — à espera de reforma legislativa portanto — o tema é relegado ao campo político e, assim, contribui mais ao aprofundamento das diferenças do que, idealmente, ao melhor serviço prestado. 
E, pelo fato das polícias não possuirem competências integradas stricto sensu, mas definidas e co-responsáveis, não podem fundir-se num conjunto integrado — no limite, podem e devem cooperar entre si, como quer o legislador constitucional ao optar por instituições distintas embora complementares no art. 144. Complemento este, inclusive, a alcançar o próprio cidadão por meio do constitucional caput “responsabilidade de todos” (que, como os demais entes entre si, não se integra às instituições, mas coopera com elas sobretudo por meio de conselhos de segurança).
Sendo assim, é tema complexo perspectivas de integração na segurança pública, pois, além da competência pesam a cultura organizacional particular e a equânime repartição dos recursos, que seria aferida, por exemplo, desde o orçamento proporcionalmente paritário em cada atividade à remuneração dos quadros correspondentes. Tais assimetrias se existentes dificultariam, por princípio, “unir todos os elementos num só grupo”, que é integrar na acepção dicionarizada do termo. 
Logo, seguindo essa linha de raciocínio só poderia haver integração onde cada ação, ou melhor, cada atividade preventiva ou repressiva fosse — somada a competência normativa — cooperada em termos harmônicos de: aparelhamento (estrutura e sua manutenção), financiamento (setor a setor) e subsídios profissionais (paridade remuneratória nas carreiras). E, dado a inexistência parcial ou total dessa circunstância, é importante afirmar que insistir em uma política de segurança que busque “integrar” é deixar de abrir o campo de análise para outras perspectivas. 
Absolutamente nada do que exponho acima é novo. Trata-se de um tema frequente entre profissionais que se integram no programa, porém, na prática, contam tão somente com esforço unilateral. 
As saídas ao impasse, quer dizer, o esforço adotado para a manutenção de modelos de integração, nesse cenário, vem a ser operações em regiões que se comunicam, no mais das vezes, apenas na sala de reunião à cata de desempenhos e metas. Ideal e de forma prática, todavia, funciona nos municípios fora da região metropolitana, onde a ligação entre os efetivos é imprescindível à sobrevivência, dada a ausência dos demais equipamentos públicos.
Considerando que esse problema também não é novo. Considerando ainda que saídas reais foram testadas, e têm obtido êxito, é que uma diminução de ministérios e secretarias ocorrem em 2019 a bem do serviço público e, ato contínuo, do cidadão. 
No caso das secretarias de segurança pública e defesa social, pensando a impossibilidade de uma política de integração, por si só teríamos a justificativa de reformulação em proveito de conselhos e colegiados de condução interinstitucional.
Ademais, somam ainda os seguintes pontos: 1) Acontecer dos quadros técnicos dessas secretarias serem conduzidos, em boa medida, por profissionais de carreira que poderiam realizar tais atribuições na própria instituição de origem, ou seja, evitando assim uma replicação de atividades e cargos comissionados; 2) combinado ao fato anterior pode existir outro, que supõe em vários Estados seções administrativas inteiras que se duplicam, tanto na instituição quanto na respectiva secretaria, transformando o fluxo de processos em gargalo; 3) o planejamento operacional de cada instituição, por vezes, recebe diretrizes exteriores às suas análises e produções locais que, eventualmente, conflitam com seu plano estratégico, transformando gestores pela segurança em determinada área em executores de ordens de operação, pondo em questão, assim, a autonomia administrativa e operacional das instituições; 4) eventualmente, prejuízo no clima organizacional entre secretaria-instituição, sobretudo em questões técnicas onde há alocação de recurso e sua prioridade, pois, em alguns casos, é possível que haja tensionamento entre “técnicos institucionais” e “técnicos político-comissionados” quanto à viabilidade de uma determinada ação; 5) ausência de banco de dados e sistemas criminais integralmente compartilhados na maioria dos Estados. 
Todos esses fatores culminam em ineficiência (sem generalizar) que Estados como Santa Catarina lidaram ao criar, recentemente, o Conselho Permanente de Segurança Pública, composto pelos Comandantes-Gerais PM e BM, Delegado-Geral e Chefe da Perícia Oficial que, alternadamente, presidirão o Conselho nos próximos 04 (quatro) anos reportando-se ao governador do Estado. Cada qual, conduzindo ações em sua esfera de atribuição de forma complementar às demais, e insisto, como apregoa a CF. 
Além dos aspectos técnicos citados, estamos diante de uma considerável economia em cargos comissionados, estrutura física e manutenção bem como material de expediente. Em tempos de crise aguda, tal economia reflete consciência conjuntural e sensibilidade social. 
O Rio de Janeiro, com alguma dificuldade e recuo, caminha para maior autonomia das polícias por meio da criação de conselhos multi-setoriais, com policiais, peritos, agentes, membros do MP e Judiciário — conforme anunciado pelo governador Wilson Witzel. A absorção de atividades pesadas por aparatos leves, simplificados e já existentes, foi o norte dado pelo presidente Jair Bolsonaro ao reduzir a máquina da União de 39 para 22 ministérios. 
Pensar essa perspectiva à segurança pública a fim de evitar um intermediário burocratizante, nos casos excepcionais em que este se torna obstáculo às ações na ponta, longe de ser um simples apelo político é um imperativo ético (conferindo maior eficiência/moralidade aos atos estatais) e técnico (fazendo valer as políticas de segurança e a natureza institucional de cada ente). Ganha a segurança pública, ganha em sensação de segurança o cidadão.
Gabriel Leal 

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