Perdoe-me a ignorância: Jorge Amado





Desde que comecei a ler literatura a sério, depois, no meu caso, de haver lido Antonio Candido (sobretudo seus ensaios em "O observador literário" e "brigada ligeira"), meio que torci o nariz pra autores como Jorge Amado. 

Sei lá, tinha algo de compilador de causo, redator de provérbio e repetição, uma armação que se repetia; daqueles autores que "leu um leu todos". “Gabriela”, foi com alguma novidade até, mas “Tieta”, aff, um saco. 

Seu viés comunista chegou a impugnar, aliado ao meu preconceito por histórias do tipo "Reader's Digest", mais de metade das obras do baiano, desde os “Subterrâneos da Liberdade” até a biografia, ou seria hagiografia messiânica, que Amado fez de Luiz Carlos Prestes, no panfletário “Cavaleiro da Esperança”. 

Enfim, pulei Jorge Amado. Em baianidade Preferi João Ubaldo de Itaparica — e confesso que ainda prefiro.

Mas, por essas coisas da literatura, sai esses dias pela Editora Todavia a biografia do marido de d. Zélia, escrita com um magnetismo que me capturou do início ao fim. 

Jorge, nas primeiras 50 folhas, me pareceu já um grande ser humano apesar de boa parte de sua obra; lá pela página 200 eu já estava mordiscado por não ter lido — e o que houvera lido: mal lido — o que de mais substancial há na cultura que é a cultura do Brasil dos quatro primeiros séculos; o Brasil das fazendas, da vida intestina, da religião afro e dos costumes arraigados. 

Peguei de pronto na estante meu exemplar de “Capitães de Areia”, e, pá, estava tudo lá; estava tudo no meu exemplar de obras completas da Nova Aguilar: e Tieta, assumo, estava além do “pé de buceteiro” de sua epígrafe pornográfica; “suor” tinha algo mais que nostalgia colonial etc. 

A autora da biografia de Jorge Amado, Josélia Aguiar (correspondente da Folha em Londres e historiadora), que levara 07 anos escrevendo a obra meio que me arrancou do lugar comum acerca da obra do sujeito que o obituário do NYT chamou de “Pelé da literatura”.

Vi, com os olhos da Josélia, competentíssima, que Jorge Amado não descurou dos aspectos formais do seu texto, que havia ali um trabalho sociológico de ponta além de uma profundidade psicológica que a TV, esta sim, barateou quando adaptou suas mulheres. 

Entendi que o comunismo das primeiras obras era apenas romantismo, e nesse registro, pode ser lido sem nenhum óbice ideológico. Pude entender que “Tocaia Grande” é um abismo ainda obscuro à crítica literária brasileira. Mas sobretudo pude compreender que o excesso de humildade dum sujeito que conhecia o mundo inteiro (que falava com Sartre como quem fala com a mãe, e Saramago como a um amigo íntimo — que era, aliás) impediu que ele fosse visto, numa terra de vira-latas, com a devida grandeza. Como diz o paulista: — meuuuuu, Jorge Amado...



Gabriel Leal 

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