Educadores contra a escola militar: comentários à uma Nota ideológica
Desde as “jornadas de junho” em São Paulo no ano de 2013, deflagradas por um aumento na tarifa de ônibus e capitaneadas inicialmente pelo “Movimento Passe Livre”, é que um fenômeno maior passou a ganhar corpo, a contrapelo de coletivos de esquerda como o próprio passe livre ou catraca livre, protagonistas à época.
Tal fenômeno convencionou-se chamar ex post facto de “ascenção conservadora”, dando-se de modo iniciático
nas manifestações da classe média aos domingos, tendo certo hiato após a
eleição de Dilma Roussef em 2014, para ganhar força total em 2015 com milhões
de pessoas nas ruas em todo o país, com grupos de orientação liberal-conservadora
como o “Vem pra rua” e o MBL (Movimento Brasil Livre) na dianteira do processo,
porém sem liderança centralizada.
Com a queda de Dilma, esgota-se o lulopetismo após longa “sangria”
(termo usado pelo ex-senador Romero Jucá) aberta pela Lava Jato ocorrendo, ato
contínuo, uma intensificação do tradicionalismo e do nacionalismo assim como o
consequente deslocamento do monopólio das lutas sociais.
Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, mediada por uma campanha
nas redes sociais que subverte as organizações que até então detinham a
primazia da narrativa sócio-política, especialmente a grande mídia e as
universidades, a direita brasileira é re-inventada na contramão do progressismo
institucional brasileiro — estes ligados agora à corrupção e à deterioração dos
valores. Passa então essa “nova direita”, com legitimidade popular, confrontar
pelos princípios do bom senso, dos valores judaico-cristãos e de uma crescente
produção bibliográfica traduzida e incorporada ao repertório público, todo o
espólio social-democrata e socialista que matizavam a política brasileira e
manipulava a opinião pública.
Consolidada essa “ascenção”, coletivos e demais
instituições de esquerda retornam ao campo para-estatal. Retomam, com efeito, pautas
na lógica da “resistência” e da “guerrilha contracultural”, em flagrante
indisposição para o diálogo democrático com a direita recém-elevada.
É nesse espírito que a“Nota das entidades nacionais sobre a
adoção do modelo de Escolas Cívico-Militares” (assinada pela: Associação
Brasileira de Currículo (ABdC) Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), Associação Brasileira de
Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), Associação de Pós-graduação
e Pesquisa em Educação (ANPED), Associação Nacional de Política e
Administração Escolar (ANPAE), Associação Nacional de História (ANPUH), Associação
Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (FINEDUCA), Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Centro de
Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Fórum de Ciências Humanas, Sociais,
Sociais Aplicadas , Letras e Artes (FCHSSALA), Fórum Nacional de Diretores de Faculdades,
Centros de Educação e equivalente das Universidades Públicas (FORUMDIR), Movimento
Nacional em Defesa do Ensino Médio) pode e será comentada aqui.
***
O governo
federal, por meio do Decreto n. 9.465/2019, propôs uma alteração na
estrutura organizacional do Ministério da Educação (MEC) e criou a
Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, vinculada à Secretaria
de Educação Básica. Essa Subsecretaria assume a função de “promover,
fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão
do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais,
estaduais e distrital, tendo como base a gestão administrativa, educacional e
didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e
Bombeiros Militares” (Brasil, 2019).
Andou bem o Governo federal com tal reorganização.
Citaria apenas três motivos, dentre inúmeros, que justificam a criação da
Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, ei-los: 1) O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), que é divulgado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), aponta que os colégios militares, tanto os administrados pelo Exército
quanto pelas Polícias Militares, são verdadeiras ilhas de excelência. Já em
2012, entre as 30 (trinta) melhores escolas públicas avalidadas, 10 (dez) eram
militares. Em 2018, a média dos colégios
militares é 6,5 (do 6º ao 9º ano do fundamental) enquanto o das escolas estaduais, 4,1. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
a média é maior até do que a dos alunos de escolas particulares (FONTE. O
Estado de São Paulo, ed. 26/AGO); 2) Índices de evasão escolar tendendo a zero;
3) Índices de criminalidade no ambiente escolar tendendo a zero. Creio que
esses três aspectos fundamentam, por si sós, a existência de um organismo no
Ministério da Educação que amplie esse modelo, que, como diz o Decreto, “fomente”
parcerias nessa direção. Se, portanto: o crescente melhoramento do desempenho
desse modelo escolar (reiterados Idebs); a manutenção do direito universal à educação (observada na ausência de evasão escolar nessas unidades) e a criação
de um espaço seguro ao desenvolvimento da aprendizagem são preponderantes, acerta
em cheio na política educacional o MEC.
Essa
medida pretende responder, como argumenta o governo, a dois anseios da
população: desejo de ensino de qualidade (escolas estruturadas e disciplina
escolar) e garantia de segurança. São anseios reais e compreensíveis, mas
há equívocos que precisamos apontar.
Seria interessante, aqui,
apontar que “escolas estruturadas e disciplina escolar” não refletem,
matematicamente, em ensino de qualidade; tal qual uma “receita de bolo”. Acima
de tudo, porque os colégios militares superam a média das escolas particulares,
onde, em muitos casos, as instalações e o acompanhamento didático-curricular são
tão rigorosos quanto. Despreza este trecho da Nota, o papel do docente na
dinâmica ecolar, sobretudo, o engajamento de pais e alunos no projeto de vida
que se constitui a vida da/na escola num todo. Professores
motivados, pais participativos e alunos com orgulho do pertencimento
institucional fazem parte desse ciclo virtuoso que tem sua dimensão, embora não
apenas, nos índices de desempenho. Portanto, não cabe falar em estruturação ou disciplina, quando, faticamente, existe toda uma perspectiva de
participação e vitalização dos atores envolvidos.
Primeiro,
há exemplos de escolas públicas não militares ou militarizadas com ainda
melhores dados de excelência, a exemplo dos antigos CEFETs e atuais Institutos
Federais e os Colégios de Aplicação ligados às Universidades Federais, como
evidenciam dados do próprio IDEB. Cabe observar que boa estrutura, boa
carreira docente e ambiente escolar disciplinado não devem ser confundidos com
militarização, mas sim com investimentos públicos, administração
profissional e comprometida, observância aos preceitos legais e gestão
democrática contando com a participação da comunidade escolar.
Distinto do que possa parecer,
nesta altura, a Nota reforça a criação da Subsecretaria se consideramos que os
IFs e CEFETs têm estruturação própria diferenciada através de uma Rede Federal
de fomento desde 1909. Lembraria, ainda, o muito alardeado PRONATEC de Dilma
Roussef, com investimentos em 2015 na casa dos 180 mi. Ou seja, se a Rede
Federal tem obtido até índices melhores que os colégios militares no ideb (muito
embora a Nota não os cite), é porque dispõe de estrutura de fomento e apoio.
Por que negar essa possibilidade aos colégios militares que, ainda sem
dispô-las atualmente, já apresentam resultados avaliativos e sociais
significativos? Se a valorização da carreira docente pode ser observada nas
Instituições da Rede Federal por que não encorajar tal expansão às dezenas de
colégios militares hoje existentes que, insisto, ainda não contam com
organismos de fomento no MEC — como a Rede Federal? (fica a questão...).
Em segundo
lugar, esta política educacional fere o direito universal à educação de
qualidade para todos os cidadãos, tendo caráter excludente uma vez que a
militarização é proposta como um modelo de “escolas de alto nível”, às
quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas para o
funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares padecem
em precárias condições infraestruturais, tecnológicas, pedagógicas e de
pessoal. As experiências de militarização, que vêm acontecendo no Brasil,
revelam também um modelo de escolarização excludente e seletivo, uma vez que
as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência ou não
dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam vagas para
os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia militar;
obrigam ao uso de uniformes caros e cobram contribuições mensais das
famílias, ferindo a Constituição Federal quanto à gratuidade do ensino
público. Esses fatores fazem com que a escola militarizada seja destinada
apenas aos estudantes com melhores condições socioeconômicas, tornando-se,
efetivamente, uma escola pública elitizada.
Neste trecho a Nota trabalha com
a retórica da falácia, vejamos: 1) esta política educacional fere o direito universal à educação de
qualidade para todos os cidadãos; ERRADO. A política proposta visa
justamente o contrário: ampliar a oferta do modelo exitoso de gestão militar às
demais escolas públicas que eventualmente tiverem interesse em aderir. Desse
modo, ocorre a ampliação do direito à educação de qualidade. 2) tendo caráter
excludente uma vez que a militarização é proposta como um modelo de “escolas
de alto nível”, às quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas
para o funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares
padecem em precárias condições infraestruturais, tecnológicas, pedagógicas
e de pessoal; ERRADO. A política
proposta, com a criação da Subsecretaria, não prevê estrangulamento ou extinção
dos demais mecanismos de controle e apoio, de maneira que, implementar uma
política não implica, necessariamente, abolir outras. Oferecer a ampliação de
um modelo não está a reboque da precarização dos demais. Pelo contrário, à
medida em que as escolas militares forem sendo multiplicadas a tendência é que os
problemas estruturais e de logística presentes hoje no sistema educacional
brasileiro, sobretudo no ensino básico, recrudesçam a ponto de servir de
gargalo às gestões militares. Isso, em regra, forçará ao sistema de ensino uma
refundação de seus valores, mas sobretudo, e como já se observa nas escolas
militares, uma maior e mais efetiva participação da sociedade civil envolvidas
na vida escolar (pais, professores, comunidade, comércio local etc). O raciocínio
é simples e intuitivo: imagine que no bairro X uma escola militar absorva uma
antiga escola estadual minada pela violência das gangues, pelo uso e tráfico de
drogas entre seus alunos e o consequente descrédito da ordem como pressuposto
para a sadia expressão das ideias. Agora, pense nos ganhos qualitativos em
segurança advindos do modelo militar com policiais fardados e armados gerando
sensação de segurança, com isso, o respaldo do trabalho docente, a interface
dos programas sociais com jovens em situação de vulnerabilidade e o que será
observado, ao fim e ao cabo, é um renascimento da vida escolar, com autonomia
de seus atores e a criação de um espaço de esperança no meio do caos
metropolitano. 3) As experiências de militarização, que vêm acontecendo no
Brasil, revelam também um modelo de escolarização excludente e seletivo, uma
vez que as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência
ou não dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam
vagas para os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia
militar; ERRADO. Aqui há um claro
prejuízo dos fatos. Para ser direto, a Nota carrega as tintas da falácia quando
(des)informa seu leitor. Os colégios
militares por conta da exiguidade numérica no território nacional e da alta
procura que recebem realizam teste seletivo. Pais e alunos, porém, são livres
para decidir, ou não, se realizarão o teste seletivo — quando existentes — pois,
reitero, não são obrigados para tal. De modo que, só existe teste seletivo
quando a procura é maior que o número de vagas ofertadas, e até 2019, não foi
inventado um meio que não seja a seleção para resolver essa relação
vagas/candidatos. Neste caso, a Nota que faz menção aos IFs e CEFETs como
centros de excelência para além do modelo militar, poderiam informar o
mecanismo de acesso a tais escolas. Seriam elas também excludentes pois
seletivas? Seguindo o raciocínio da exclusão não seria o caso de abranger ao
ENEM como abismo da desigualdade em nossa sociedade? Seguindo mais este trecho
da Nota, temos ainda a menção dos “graves índices de retenção”. Ora, ora, aqui
apenas uma pergunta: não seria a “escola ciclada” esta que praticamente aboliu
a retenção — para desgraça do ensino e do papel do professor — a responsável
pela quantidade absurda de analfabetos funcionais que hoje no Brasil gozam do diploma
universitário, sem, contudo, interpretar um texto de dez linhas? Falar em retenção é ter em vista que desempenho é
um operador mundial de análise e avaliação escolar, e que conhecimento objetivo não é subjetivo, não podendo dessa forma ser doado através de solidariedade
normativa no pretexto de emancipação coletiva — e imbecilização real. 4) reservam vagas para
os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia militar; este tópico merece atenção especial. Entidades
educacionais organizadas como as que emitiram a Nota que ora analisamos sempre
foram entusiastas das políticas afirmativas; basta observar que a ANPEd (signatária
da Nota) abriga um grupo de trabalho (GT) nomeado “Educação e Relação Étnico-Raciais”,
basta observar ainda a realização do “I
Seminário Nacional Política de Ações Afirmativas” em 2018. Em outras
palavras, a política de cotas antes de ser política pública foi, e ainda é,
objeto de pesquisa entre educadores. Muito mais: Ações afirmativas, como a
reserva de vagas por meio do sistema de cotas, são objetos de defesa apaixonada
entre a maioria esmagadora dos educadores brasileiros. O contexto histórico dessas
ações, todos sabemos, reside — pelo menos no pretexto — na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e na preservação da dignidade da pessoa humana, com viés
neste caso na ideologia socialista que ressalta, também supostamente, a igualdade
como eixo da constituição social. Analisemos o seguinte, do geral ao específico:
Policiais são seres sociais. Policiais residem nos bairros em que trabalham.
Policiais, em grande parte, são oriundos dos estratos sociais mais
desfavorecidos. Policiais, em suma, demandam a cidadania que qualquer outro
grupo social, em seu contexto de aguda vulnerabilidade, tem através do sistema
de cotas hoje existente; com o respaldo, leia-se, das mesmas entidades que
criticam a reserva de vagas para filhos de policiais. Considere para tal como
contexto de aguda vulnerabilidade do ser
humano policial a exposição de crianças e adolescentes (filhos desses
policiais) em escolas passivas do controle cultural e simbólico de facções criminosas,
porosas ainda ao assédio das gangues e do recrutamento desviante do submundo
criminal, onde esses alunos por sua condição familiar passam a ter um aumento
significativo dos riscos que sofrem quando comparadas aos demais alunos. Não se
trata de oferecer uma condição privilegiada ao policial, mas em reconhecer que
seu papel no combate ao crime tem reflexos sociais em sua família; sobretudo
retaliações que embora estatisticamente desprezíveis permanecem no horizonte de
pré-ocupações que esse profissional leva para seu ambiente de trabalho, por
vezes, comprometendo seu emprego ideal. Outro ponto ainda é considerado: no
caso dos militares das forças armadas a movimentação constante que dependem de
um sistema de ensino próprio para atendimento nas diferentes épocas do
ano-letivo. Em última instância, a reserva de vagas atende a isonomia
constitucional ao tratar com distinção os diferentes; conforme às
peculiaridades da sua cultura de grupo. É necessário, assim, tratar de forma desigual pessoas em situações desiguais e
igualmente pessoas em situações iguais. É também necessário que esse tratamento
seja razoável, proporcional e justificado. Em
suma, trata-se de conceder um tratamento diversificado àqueles que se encontram
em situações distintas. Nada mais óbvio que a circunstância do policial neste
caso. 5) obrigam ao uso de uniformes caros e cobram
contribuições mensais das famílias, ferindo a Constituição Federal quanto
à gratuidade do ensino público. Aqui
devemos ressaltar que o uso do uniforme não vem a ser uma obrigatoriedade
imposta aos alunos, porém um desejo auto-imposto pelo próprio aluno. Quanto à
gratuidade do uniforme, este fato quando existente, e até onde analisei, seja o
único ponto em que estou de acordo com a Nota. A gratuidade do ensino público é
um imperativo, independente da condição social da família do aluno de escola
pública. Pois, se o ensino é gratuito assim deve se constituir.
Na
prática, há contradição entre o trabalho dos docentes, encarregado do
ensino, e a gestão militar, pois esta não tem necessariamente formação
pedagógica e se norteia por uma cultura institucional semelhante às
instituições militares, cujo fim é a proteção e a guerra e não a vida
cidadã numa sociedade democrática.
ERRADO. Tal afirmação desconhece
a distinção entre organização ou gestão militar e ensino militar. Dois pólos
que não se comunicam em um colégio na educação básica. O trabalho docente numa
instituição de educação básica gerida por militares é “civil” — em que pese nos
colégios militares das FFAA estes pertençam ao magistério militar. Isso se dá
porque o alunado não é militar, mas civil. Não se trata, legalmente falando,
civis como se militares fossem. Só um desconhecimento total acerca das escolas
militares confundiria formação pedagógica com formação profissional militar.
Adolescentes num colégio militar, em regra, não são recrutas em adestramento,
como a Nota parece supor. Com efeito, não se pede desse discente uma
performance na guerra — quiçá na saudável disputa dos jogos militares.
Nesse
sentido, o modelo também apresenta um enorme potencial de prejuízo para a
formação dos adolescentes e jovens quando valoriza excessivamente a
disciplina e a obediência, por dois motivos: primeiro, por que a educação
necessariamente exige uma abertura para a criatividade e a novidade, que são
sua parte integrante, pois crianças e jovens vão à escola justamente para
aprender e criar coisas novas através de conhecimentos historicamente
acumulados e elaboração de suas experiências; e, segundo, por que a própria
experiência de socialização de crianças e jovens exige também uma abertura
para a brincadeira, para o lúdico, que não pode ficar submetido a um ambiente
rígido de disciplina, formaturas, desumanização e plena uniformização
militarizada.
Poderíamos retificar todo esse
parágrafo apenas dizendo que a criatividade
e a novidade, ao longo da história da
arte por ex., tem na disciplina dos artistas seu grande contributo. Advém esse “novo”,
sobretudo, do método, do planejamento e da rotina operosa — frutos da mesma
disciplina. No que tange ao lúdico,
bastaria lembrarmos que as olímpiadas nasceram num contexto militarizado, e que
o Exército, em nosso país, é a instituição social com maior número de
medalhistas e competidores de alto nível. Poderíamos, enfim, desafiar os
signatários da Nota a apontar uma única atividade desportiva que não tenha
raízes em atividades militares.
Abaixo dois contextos de lúdico, a saber, a “dança marcial
militar” (ordem unida) e a dança que se observa numa escola pública, conforme
noticiado pelo G1 (https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/08/27/alunas-dancam-funk-dentro-de-sala-de-aula-na-presenca-de-professor-e-colegas-em-aparecida-de-goiania-video.ghtml.
Acesso em 14 de fevereiro de 2019).
Por fim,
cabe reforçar o papel fundamental que os policiais têm para a segurança
pública, que inclui a segurança nas escolas, mas uma coisa não pode ser
confundida com a outra a ponto de a militarização ser colocada como a “grande
solução” para uma política pública efetiva, que garanta de fato um ensino
público de qualidade, universal e democrático.
Por fim, cabe reforçar a tinta
ideológica da Nota. Pois, busca conferir a zona de silêncio aos militares que,
com a experiência nas escolas de educação básica, tem sido a voz mais
promissora nos últimos anos na educação brasileira. Reforça a Nota o
preconceito de que numa escola militar o aprendizado é substituído pela
repressão com o prejuízo da liberdade no debate de ideias, quando, faticamente,
disciplina não se confunde com repressão tampouco liberdade com libertinagem (como vemos nas imagens acima). Reforça a Nota, de forma latente, o despreparo de
policiais para o mister educacional, quando, por outro lado, podemos ver nas
escolas militares de modo geral que o caráter militar das atividades de coordenação e gestão jamais avançam ao
campo da competência técnica dos professores em sala de aula. A alegação de que
há supressão de direitos nessas escolas, ademais, só reforça o abismo ético de
uma sociedade que barganha sempre mais direitos em detrimento dos deveres (jogados para debaixo do tapete); que
confunde obediência com servidão. Que prefere fazer apologia ao atual estado de
coisas da educação básica brasileira ao invés de encorajar casos bem-sucedidos, neste caso, motivada aparentemente por pura ideologia político-partidária. Não se trata,
finalmente, de resolver a educação básica com militarismo, tampouco, impor um
modelo indiscriminadamente. Cabe, onde for possível e desejado socialmente,
ofertar essa possibilidade; em suma, um direito.
Gabriel Leal
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