Saudade do que a gente não viveu ainda













Não confunda jamais lei com justiça. É como em cálculo, no conceito de limites, a lei estaria mais ou menos definida como: o limite de fazer ou proibir, por ação ou omissão, que tende infinitamente à justiça, e é passível de sanção, ante seu descumprimento — o conceito lealiano de lei. A justiça, no seu grau ideal, como a coruja de minerva de Hegel, alça voo e desaparece quando a pretensão de encontrá-la numa fórmula se materializa. Por isso, é que a justiça — tal qual a filosofia ocupando o lugar da coruja nessa ilustração — só pode ser observada quando as coisas já passaram. Assim, conceitos como o belo e o verdadeiro, e a própria filosofia em si, são sempre rastros, pegadas na areia que tentamos reconstruir visando o caminho. Não à toa, desde Platão, é que aprendemos filosofar por meio da anamnese, num relembrar contínuo e sistemático de algo que já se dera antes, etéreo, informe, como reminiscências que são paridas sob método — a maiêutica socrática.

Sérgio Moro não é a encarnação da justiça. Nem seu Dallagnol, nem seu ninguém — com exceção de Um (que "é" Três), neste planetinha azul, que “habitou entre nós” numa remota palestina (e foi assassinado — justamente — por isso, aliás).

Portanto, das inúmeras condutas, entre mensagens a serem divulgadas ainda ou adredes hoje, não há uma única sequer que destrua a realidade do que já foi limitado — em termos de “limite de fato X tendendo à justiça” —. Em outras palavras, o conceito, hoje em concreção (mas por um triz agora), de justiça para o qual se dirige o país e que o povo anseia nostalgicamente. E não esse (que pretendem, pós-Intercept, este!), o do processo legal, que o antecedia até ali (ou ainda hoje? — onde a conversa de dois heróis a caça de marginais pode ser lida, e questionada sem nenhuma vergonha, com prejuízo legal à justiça que se anseia — e não o faz de conta da saga processual procrastinatória sem fim brasileira; nosso atual paradigma.   

Tudo isso em termos filosóficos até agora, que é, no fundo, o que importa: saber se essa ou aquela conduta, de M&D na direção da Lava Jato, é digna do humano como humano (este que busca a virtude e se afasta do vício; considerando a justiça uma virtude possível também ao brasileiro...): e sabemos que é — pronto e ponto final. Agora resta descer ao chão dos fatos e medi-los com o Direito. E aqui a coisa é muito, deveras simples: 1. hackearam o celular do ministro da justiça (expediente criminoso que difere moralmente de qualquer vazamento seletivo, se houve na LJ, que visava, se visou caso existiu, sempre dar aos donos do poder — o povo — o protagonismo das decisões justas, na navalha do paradigma existente, onde e quando um sistema é estruturalmente corrompido; curiosamente, o case brasileiro). 2. TER A CONVICÇÃO FILOSÓFICA DA CORRETA TENDÊNCIA À LEI NÃO IMPLICA DESCUMPRIR A (LEI) VIGENTE QUANDO ESTA ATENDE MENOS AO CRITÉRIO DE JUSTO QUE ELEJO, mesmo se quem elege esses critérios sejam M&D — heróis nacionais (por isso, “esqueçam os fins justificam os meios”). Ninguém, dessa forma, tem carta branca para atravessar o legal (ainda que morto na Justiça) para fazer Justiça. Voltando aos gregos, Sócrates, ao tentar retirar a propriedade da consciência do cidadão ateniense da posse do Estado Grego e devolver-lhe ao seu portador, por meio da consciência questionadora, pagou com a própria vida (— hoje isso soa quase surreal, não é? Nem sempre foi assim...). Grandes poderes, grandes responsabilidades: heróis, por sua extemporaneidade, padecem ao seu tempo. Logo, se M&D burlaram qualquer parâmetro de superação do paradigma atual, no extraordinário, e arriscado, processo de substituir limites legais, devem ser responsabilizados — o que não implica, em regra, qualquer reflexo dessa culpabilização, caso haja, em inocência ou sobretudo injustiça àqueles presos pela Lava Jato — o que, na verdade, hoje se busca por aqueles que querem guilhotinar M&D; pois uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. 3. Cobrar, exigir, esperar de M&D et ali, o protocolo característico das relações estipuladas e idealizadas com o fito de fazer de uma força-tarefa, que mais se assemelha ao operativo numa guerra, com o processo judicial comum a desquites ou ladrões de galinha nos anos 30 só é cabível quando, diante de uma ORCRIM ultra-sofisticada, a própria força-tarefa não se organize, mentes e corações, dia e noite, em prol do objetivo que, em nada se confunde com NÃO TER IMPARCIALIDADE, mas em fazer cumprir a lei a todo custo — e apesar do Mecanismo. 4. Dar sentido, e verbalizar, a insegurança subjetiva no carreamento de uma prova, como Dallagnol segundo a Folha deu em relação à provas contra Lula, numa conversa íntima, só reflete o que há de humano — e não de irresponsável (pois o irresponsável jamais examinaria a própria consciência dado que está sempre seguro de si) ou criminoso na conduta de quem tem o dever de acusar, mas justamente o contrário!

Por tudo isso, já começo a ter certa nostalgia da Lava Jato, e o Brasil que inauguraria, uma espécie de saudade filosófica, aquela dos apaixonados, uma saudade do que a gente não viveu ainda.


GL 

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